28 dezembro 2009

Evangélicos não reformados!

O jornal “Correio Brasiliense” (17/10/04) trouxe a manchete “Pratico esportes, danço. Sou pastor”. A reportagem começava assim: “As maiores igrejas evangélicas que atuam no país abriram os olhos. Para arrebanhar o maior número possível de fiéis, resolveram modernizar”. Um turbilhão de reações à matéria aconteceu nestes últimos dias. Evangélicos ofendidos! Deputados distritais usaram a tribuna da Assembléia Legislativa a fim de ‘defender a honra’ evangélica! Não li nenhuma reação de confissão de pecados! A “igreja evangélica brasileira” está mesmo com sérios problemas: não consegue perceber que está se modernizando mesmo!


Esta modernização evangélica está cada vez mais distanciando a igreja dos princípios norteadores da Reforma Protestante do século XVI.


Em primeiro lugar, muitos dos evangélicos de hoje têm uma visão das Escrituras inferior à que a igreja de Roma tinha no século XVI. Instituições evangélicas de peso duvidam da confiabilidade da Bíblia e de sua infalibilidade. Outros acreditam que a Bíblia é inerrante, porém acrescentam novas regras e revelações ao cânon. "A Bíblia é suficiente", nos aconselhariam os reformadores.


Em segundo lugar, muitos evangélicos modernos também não acreditam que Cristo é suficiente. Às vezes pessoas muito boas e nobres substituem Cristo como nosso único Mediador. Às vezes, nós temos mediadores humanos que não são o Deus-Homem Jesus Cristo. Precisamos de outras coisas pelo meio, como a figura do pastor, do bispo, do apóstolo, ‘do profeta’. É só ligarmos a TV ou rádio nos ‘programas evangélicos’ e tentarmos encontrar a pregação do Cristo crucificado e ressurrecto, e nos sentiremos frustrados! Jesus, literalmente, ‘saiu de cena’. Enquanto estivermos neste assunto, também deveríamos mencionar que foi a venda de indulgências de John Tetzel (redução do período no purgatório em troca de valores em dinheiro) que inspirou as "Noventa e Cinco Teses" de Martinho Lutero, desencadeando a Reforma. "Quando a moeda bate no cofre", o coro cantava, "uma alma do purgatório é vivificada". Será que isso realmente é diferente da venda da salvação que temos visto na televisão, rádio, e mesmo em muitas igrejas? Dinheiro e salvação têm sido distorcidos para serem uma coisa só no meio de muitos de nós. "Eles vendem salvação a você", canta Ray Stevens, "enquanto eles cantam 'Amazing Grace' ('Graça Maravilhosa')".


Muitos evangélicos hoje crêem que "Somente a Graça" (sola gracia) é algo como livre-arbítrio, uma decisão, uma oração, uma ida até a frente, uma segunda bênção, algo que nós façamos por Deus que nos dará confiança de sermos alvo do Seu favor. Doutrinas como eleição, justificação e regeneração são discutidas quase que nunca, porque elas mostram o quadro de uma humanidade que é incapaz e nem ao menos pode cooperar com Deus em matéria de salvação.


E sobre "Somente a Fé" (sola fide)? Muitos evangélicos acham que a fé não é suficiente. Alguns insistem que a fé mais a entrega, ou a fé mais a obediência, ou fé mais um sincero desejo de servir ao Senhor servirão como uma fórmula. O fato de que os evangélicos hoje lutam com estas questões indica que nós não ouvimos o "som seguro" de "Somente a Fé" em nossas igrejas. A Fé é suficiente porque Cristo é suficiente.


Como se comparariam os evangélicos de hoje com os seus predecessores em matéria de "Somente a Deus seja a Glória"? Auto-estima, glória-própria, centralidade do "eu" parecem dominar a pregação, ensino e a literatura popular do mundo evangélico. Os evangélicos de hoje sabem muito pouco do grande Deus dos reformadores - um Deus que faz tudo conforme o Seu agrado, em relação aos céus e às pessoas sobre a terra e "que faz tudo conforme o conselho da Sua vontade" (Dn. 4; Ef. 1: 11). Os evangélicos hoje se prostram com temor diante de Deus pela consciência de Sua Soberania? Hoje a busca é pela emoção, prazer, pela experiência, pelo ‘suor’! Louvar ao Deus de uma experiência pessoal, de uma emoção, da ‘preferência pessoal’, contudo, é na verdade louvar um ídolo. Os reformadores levavam muito a sério a Glória de Deus, e aqueles que quiserem ser “evangélicos genuínos” também devem fazê-lo.


Muitas pessoas se perguntam por que o povo da "Reforma" parece ser “ranzinza”. Lutero, Calvino, Melanchton, Farel, Beza, Knox e Zwinglio realmente não eram ‘populares’. Não eram ‘ranzinzas’, nem amuados, mas não trocavam a verdade das Sagradas Escrituras pelos aplausos dos ouvintes, nem tampouco a Glória de Deus pela autopromoção. Ora, ninguém quer estar ao redor de pessoas ranzinzas e amuadas - e eu não gostaria de ser conhecido como uma pessoa assim. Mas precisamos encarar o fato de que estes são tempos de grande infidelidade e de excessivas ‘modernizações’ no seio da igreja. A nós foi dada uma fé rica, com Cristo no centro. Porém trocamos nossa rica dieta por um saco de pipocas e, por isso, estamos mal nutridos. Se nós ‘evangélicos da atualidade’ quisermos saúde espiritual, teremos que voltar para as verdades que fazem de "evangélicos" "evangélicos reformados". A Bíblia - nosso único fundamento; Cristo - nossa única esperança; Graça - nosso único evangelho; Fé - nosso único instrumento; a Glória de Deus - nosso único alvo; o Sacerdócio de todos os santos - nosso único ministério. Este evangelicalismo original ainda é –é sempre será– suficiente para fazer, mesmo de nossas menores vitórias, algo muito grande.


Rev. Ézio Martins de Lima

Pastor da IPI Central de Brasília, DF.

Traduzido e adaptado do texto do Dr.Michael Horton, professor

no Seminário Teológico Reformado, Orlando-Flórida.

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