Em um sábado qualquer resolvi ligar a TV. Acidentalmente, caí num desses canais de propaganda... Daqueles que vendem um mesmo produto por horas seguidas... Já viu um? Parece coisa do maligno... a mão instintivamente pega o controle mas não consegue mudar o canal, de tão bom o apelo sugerido ao nosso senso consumista ultra-apurado – conheço indivíduos magérrimos que já compraram mais de uma prancha abdominal. O horário seguinte veio como um alívio, recheado de programas evangélicos dos mais diversos, os quais pra minha surpresa, continuaram vendendo... E sabe o que vendiam? Jesuses (não sei se é assim mesmo que se escreve...). Um após outro, como em um restaurante refinado, exibiam suas opções a la carte, mas confesso que alguns chamaram mais a minha atenção. Eis algumas versões, modelos, ou sei lá o quê:
Jesus Gospel (lê-se “djizuz”) – É um modelo moderno, ouve muito rock e pop, mas tem se aberto pra outros estilos agora... está sempre antenado com as últimas tendências. Seus seguidores são vistos esporadicamente em algumas igrejas e frequentemente em baladas, acreditam que serem chamados de evangélicos é legal e moderno – “Pó, é legal... a galera sente que a gente tem personalidade... saca ...?” - Tem a cabeça super aberta e crêem que o mundo é bem melhor com eles. Mas tem um outro interessante, que é o:
Jesus Aladin - Também é moderno, muito embora tenha uma outra finalidade. Esse é especializado em pedidos. Talvez não seja uma lâmpada, mas pode ser um sabonete, um estilingue, uma rosa... depende daquilo que desperta seu bom humor na temporada. Seus discípulos são vistos muitas vezes em BMW´s, Mercedes e até jatinhos... mas há também uma boa leva que lota estações de trens e ônibus. São sazonais na igreja e aparecem bem mais em tempos de crise. Olha outro aí:
Jesus Black Tie – Esse é finíssimo. Não se mistura muito e freqüenta a alta sociedade. Extremamente cético, não é dado a milagres e coisas do gênero porque desafiam a ciência e afinal, nesse nosso tempo, ninguém mais quer seguir o que não vê. Seus seguidores tem curso superior, doutorado, adoram reuniões e clubes de amizade, onde podem se reunir para disputar entre seus intelectos e seus bens. Às vezes é possível percebe-los limpando educadamente algumas lágrimas com a ponta do lenço, à francesa, é notório entre eles que mais vale saber limpar com classe uma lágrima do que saber sua origem, afinal, a aparência é o que importa. Mais um:
Jesus Tio Patinhas – Faz o tipo bonachão. Anda sempre de galochas e é do tipo que está sempre à vontade. Dá sempre liberdade e nunca cobra nada, mas também não dá nada. A turma que o acompanha parece estar sempre feliz e conformada – “Aqui a gente não vê muita coisa... mas também não é obrigado a fazer nada... então é zero a zero... tá de boas...” – São vistos de segunda a sábado nos lugares mais exóticos (?) mas no domingo sem falta estão na igreja. “E o bom é que como ‘Ele’ sabe de tudo a gente nem precisa dizer nada” – dizem. Estes, quando somem, passam muito tempo sem serem vistos.
E assim continuam as versões... Quando desligo o aparelho de TV fico me perguntando como deve ser cruel a dúvida de quem gostaria de ter Jesus, afinal, são tantas opções a serem analisadas... Deve haver até mesmo quem passe um pouco de tempo com cada tipo até perceber que nenhum deles cumpriu aquilo que a propaganda prometera. Acho que muitos até desistem de tê-lo. Ao mesmo tempo, procuro me lembrar do Jesus que eu escolhi... Na verdade, à primeira vista me pareceu tão humilde e simples que nem queria conhecê-lo direito, mas depois vi como era profundo. Não era “moderninho” – mas Eterno e Santo, e também nunca fez tudo o quanto eu pedia, mas deu-me do melhor, e sempre no Seu tempo. Nunca foi bonachão e na verdade já me acertou umas duas vezes com um tal bordão que dói um absurdo... mas que depois descobri que era para o meu bem, para me trazer de volta. Seu olhar nunca foi altivo e mesmo quando eu errava feio, tinha uma mão forte, porém gentil, estendida em minha direção onde eu podia ver um preço gravado em uma cicatriz.
Meu Deus... não o tenho visto na TV ultimamente... vou para o meu quarto... tranco a porta... eu sei aonde posso acha-lo.
Milton Furtado é membro da IPICB, membro da banda Supernovavida
Gostei muito do seu artigo, vejo que nos dias atuais as igrejas estão passando por uma crise de identidade. Não conseguimos testemunhar o único Jesus, pois há divergência naquilo que falamos para o que fazemos. Rory Noland diz em seu livro O coração do artista: "As pessoas não irão escutar ao que dizemos até que tenham observado o que fazemos e encontrem consistência". Praticando esta verdade, teremos uma reputação como igreja que reflita o nosso caráter.
ResponderExcluirVitor (Ministro de Louvor -IPI de Vila Nova - Goiânia)