22 novembro 2006

Uma lágrima para Deus



As lágrimas fazem parte do nosso cotidiano, quem disser que não chora está equivocado, o gotejamento ocular de nossas lágrimas permite que nossa visão se renove a cada piscadela... e há ainda aqueles que por alguma limitação fisiológica são privados do seu orvalho renovador; esses têm que recorrer a um tipo de “pranto artificial”, em gotas, colírios para que aquilo que se vê não venha carregado, em suas imagens, do ardor que na sua ausência se faz peculiar. Mas não é disso que se trata.
Lágrimas me fazem pensar muito, talvez porque as considere um elo (quase sobrenatural) entre aquilo que os nossos sentidos percebem em contradição ao que a nossa alma deseja. Acho isso profundo, embora nem sempre a considere nobre – quando uma lágrima rola, as expectativas da alma se tornam evidentes e logo se percebe do que o espírito padece. Em nosso tempo, isso pode representar desde a perda de um ente querido até ao título do campeonato que não veio; do problema de saúde insolúvel a roupa preferida que por um acidente se rasgou, e por aí vai...
As lágrimas são despejadas de dentro de nós, vertidas pelas janelas da alma, e carregadas de tudo o que delas provém, via de regra a dor; as lágrimas mostram o quão grande é nossa alma, ou quão pequena. São denúncia pública de quem eu sou e o que penso – e mesmo a ausência delas falam por si só – nosso rosto denuncia e reclama pela falta das lágrimas: das boas - denúncia expressa na frieza que caracteriza os rostos secos, sem vida, sem esperança. Sim, esperança, porque lágrimas também podem ser um pedido de milagre, como se fossem carta escrita a alguma coisa que detivesse em si mesmo o poder de alterar a realidade.
- E por falar nisso, onde andam as suas?
Antes que a intromissão na sua privacidade lhe pareça um insulto, não carece que responda, mas gostaria de apresentar-lhe as minhas: copiosas, fáceis de se achar, às vezes na dor e nem sempre nobres, mas, essencialmente retratos da minha alma. De algumas eu sinto falta, de outras não.
Lendo o salmo 126, percebo o quanto Deus dá valor às nossas lágrimas - mesmo que não precise delas para nos conhecer – é possível perceber que a alma do salmista desejava algo mais do que o retorno a terra prometida, havia um desejo maior, que era o desejo da presença de Deus e da Sua aliança.
Ah, essas sim. São as lágrimas do milagre, que tocam o coração de Deus e desnudam a alma sequiosa, alma seca, que semeia em meio aos prantos na esperança de que os olhos reguem as sementes. Perdoem-me, mas há certas coisas as quais, creio, que Deus não resiste.
Em Ap. 5:4, João relata em sua visão que: “chorava muito, por não ter sido achado ninguém digno de tomar o livro, nem mesmo de olhar para ele”. Suas lágrimas denotam o profundo sentimento de tristeza, na antevisão de que o mundo ou ele mesmo fosse privado do que sua alma mais desejava. O texto segue, numa afirmação esplendorosa, de que os vinte e quatro anciãos apresentaram ao Cordeiro taças cheias de incenso, que são as orações dos santos.
Afinal, quantas lágrimas de esperança temos chorado? Será que as temos derramado em fé, e seu cálice tem sido achado à mesa de Deus, para que de nós Ele se lembre, e mude a nossa sorte? Temos chorado pela nossa família? Pela nossa igreja e pelo Reino?
Estou certo que a falta de lágrimas afeta também nossa visão espiritual, impedindo que a nossa visão seja clara e definida, a falta delas traz a irritação da secura e favorece que os olhos, por conforto, permaneçam fechados e assim, como se pode caminhar?
Seria bom que elas viessem de muitos olhos, de muitas almas, quem sabe não poderíamos derramá-las juntos? E Deus nos vendo assim, faça o que faz tão bem, favorecendo a nossa colheita?
Por fim, em Ap. 21:4 diz o texto: “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.”
Aqui cabe uma confidência: que Deus me perdoe, mas acho que sentirei falta de algumas daquelas da esperança, as boas lágrimas que derramei na presença de Deus em oração e adoração. A minha inquietude me trará a certeza que ainda foram poucas, e a curiosidade me fará pensar no que poderá ser tão bom a ponto de Deus prometer secá-las.
Enquanto isso, Senhor, peço que lembre-te de nós, da Tua misericórdia, e restaura o Teu povo. Seca nossos olhos das lágrimas da dor e das lágrimas vazias, mas permita aquelas que surgirão quando fizerdes de nós almas que anelam pela Tua presença e pela Tua aliança mais e mais a cada dia. E que surjam no trânsito, nas ruas, nas casas e nos cultos; não nos envergonharemos delas. São minúsculos jorros do rio de vida, vindo de Ti mesmo, que fluem em nós.
E aqui, Pai, vai mais uma.
Milton Furtado, membro da IPI Central de Brasília,
e vocalista da Banda SUPERNOVAVIDA (www.supernovavida.com.br).

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