Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é chegada a minha hora. João 2:4
Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: Para trás de mim, Satanás, que me serves de escândalo; porque não compreendes as coisas que são de Deus, mas só as que são dos homens. Mateus 16:23
Haveria algo mais difícil do que ter de resistir ao mal evidente que nos cerca todos os dias? Desligar a TV durante aquelas programações que nós sabemos o que estão propondo, ou até mesmo desviar dos links e janelas que surgem nas telas dos nossos computadores levando-nos a sites obscuros? Ou até mesmo conduzir nossos olhos ao sentido oposto ao das bancas de jornal e os nossos ouvidos atentarem para longe de bate-papos malignos e afiados? Não é difícil resistir e dissimular frente às ofertas de piadas degradantes, diante das quais a grande maioria solta espaçosas gargalhadas, ou não se deixar seduzir por propostas de ganho fácil e imediato que custem o sacrifício dos valores que com tanto esforço pleiteamos cultivar ao longo de nossos anos?
Essa pós-modernidade bombardeia incessantemente a todos os nossos sentidos com o convite ao que é fácil, barato, prazeroso – uma verdadeira sinfonia cuja melodia agrada em cheio aos ouvidos da nossa sociedade hedonista – que em meio a todo esse “prazer”, revolve-se e chafurda-se ainda mais na lama que a envolve.
Sinceramente, creio que o esforço que o cristão emprega, se verdadeiramente fiel, em busca de uma vida santificada e íntima com Deus nos dias de hoje só é comparável ao enfrentamento dos leões na arena de César...
O pior é que não fica por aí.
Como se não bastasse, a nossa batalha vai além do pecado descarado e publicado, amado e cultivado nos dias de hoje.
Se logramos êxito ao resistir aos convites dos out-doors e dos comerciais de TV, muitas vezes somos vítimas da conspiração do bem, ou da “confraria da boa-vontade”. Confuso? Explico-me.
Confesso que logo aos primeiros passos da fé, os dois versículos os quais cito, no início deste texto, me chamaram a atenção. Eles pareciam uma dissonância, uma contradição ao conceito que eu até então eu cultivava:
- Puxa, mas como é que Jesus pôde ser tão grosso com a própria mãe?...
- Caramba, mas que palavra dura Jesus disse a Pedro...
Aos mais doutos, perdoem-me a sinceridade, mas era exatamente isso que eu pensava, e assim como eu, creio que muitos outros. “Como é que Jesus poderia falar assim com quem estava sendo tão bonzinho por preocupar-se com ele mesmo e com os outros?” Maria, preocupada com a situação constrangedora a que o noivo se sujeitaria, tendo o vinho acabado bem no meio da festa, e Pedro, zelando pelo bem-estar do Mestre, ao ouvi-lo dizer que o Filho do Homem padeceria e seria morto.
Com o tempo, tristes verdades e duras realidades acabam mostrando que esse mal encoberto consegue ser pior até mesmo de que todo esse pecado escancarado. E o que é pior: muitas vezes nos tornamos agentes dele.
Conseguimos resistir, ainda que com tropeções, ao combate nas trincheiras abertas, mas ao fogo amigo, aquele que vem dos combatentes que se dizem estar ao nosso lado, somos vulneráveis. Nossa guarda está sempre aberta, pois jamais pensamos que são capazes de, armados das “melhores intenções,” atuarem em nossa vida em sentido contrário ao que Deus espera de nós. É aquele irmão que gosta tanto de nós que não abre mão de que no fim de semana não estejamos em sua casa no almoço, no mesmo dia em que poderíamos promover um evangelismo, é o outro que ama tanto a igreja, e suas tradições, que faz parte da “família real” há tanto tempo que não pode admitir que a santidade de seus hinos seja maculada pela cantoria barulhenta desses jovens de hoje com seus cânticos – talvez aquele velhinho gentil e freqüentador tão assíduo, que não admita que a alegria que pudesse haver em nossos templos corresse o risco de agredir a tão idolatrada “ordem e decência”, que se coloca muitas vezes acima da nossa liberdade de amar o outro. É a turma do “deixa disso” , do comodismo, a turma do “deixa como está”, ta bom assim – enquanto nossos cultos se esvaziam, nossas festas se multiplicam.
Acho que nas igrejas todos erramos quanto a isso, aos membros – e aí me incluo eu – por fazermos o papel de Marias e Pedros, na melhor de nossas intenções muitas vezes na hora errada ou inocentemente atentando contra o propósito soberano de Deus, com a consciência falsamente tranqüila, como quem não sabe nada nem o que está se passando, até que as coisas não corram como deveriam e não venhamos a nos sentir culpados quanto a isso, jogando a culpa nos pastores.
Mas os pastores também erram, quando não buscam a lucidez e o discernimento para perceberem, no momento do agrado mais singelo, da preocupação mais sincera, o mal dissolvido, o risco iminente de se tornar vítima da “confraria do bem”, esquecendo-se de que sempre haverá um interesse humano por trás de cada ato, ao qual caberá sempre a resposta imediata e precisa, nos moldes de Cristo, sob pena de que nossos interesses se sobreponham aos d´Ele.
É preciso estar atentos, pois, se pararmos um pouco e olharmos para nossa história, como igreja, e porque não dizer como pessoas, veremos o quanto se perdeu agindo sinceramente errados, pedindo a vontade de Deus, mas fazendo a nossa própria, desejando que Ele decida, mas agindo por nós mesmos.
Muito mal e muito dano já foi causado, é tempo de observar e aprender, é tempo de reparar os muros, reconstruir. Mesmo que isso ao final nos custe a amizade daqueles que, sinceramente errados, nos ofereceram paz em tempos que eram de guerra, festa em tempos de pranto.
Se é tempo de guerra, vamos a guerrear, se é tempo de se humilhar, orar, e buscar a face de Deus, o façamos. Sobretudo, façamos aquilo que a Deus agrade, a Seu tempo, e conforme a Sua vontade.
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