Tive dois impactos na minha vida em relação ao que é ser mulher. O primeiro se deu quando ainda morava na zona rural. Eu era pequena e já ouvia minha mãe dizer que menina não precisava ir à escola. Afinal, dizia ela, para quê aprender a ler e estudar se o papel da mulher resumia-se a ficar em casa cozinhando, lavando roupas e cuidando de crianças? Aquilo me marcou muito. Comecei a desconfiar que, pelo menos na ótica da minha mãe, era mais vantajoso ser homem. Mas, para minha felicidade, meu pai não pensava assim e decretou que seus filhos só sairiam da escola quando estivessem, ao menos, alfabetizados. Percebi, aliviada, que para ele meninos e meninas – e, por extensão, homens e mulheres – tinham o mesmo valor.
O segundo aconteceu muitos anos depois, na década de 1980. Já estava casada e com dois filhos, um menino e uma menina. Na época, os sermões em muitas igrejas giravam em torno da família e dos diversos papéis desempenhados no lar. Mas sempre que eu ouvia sobre as funções da mulher, sentia certo mal estar, cuja natureza não conseguia definir direito. Só percebia que era uma sensação de falta, mesmo tendo certeza de que, diante de Deus, a mulher é diferente do homem, mas não inferior.
O nobre, naqueles anos, era a mulher se identificar com a frase: “Sou esposa e mãe.” Eu não via nada de errado naquilo, afinal eu era casada e tinha filhos. Mas sentia falta de alguma coisa. Um dia, enquanto via minha filha de 10 anos brincando no gramado de casa, o nó se desfez. Olhei para ela e falei com meus botões: “E se ela não se casar? Ou se, mesmo casada, não gerar filhos?”
Naquela conversa entre eu e eu mesma, compreendi que realmente falta algo na identidade da mulher que vai além do estado civil e da capacidade biológica de gerar e criar filhos. Só que a sociedade está impregnada de mensagens desvalorizando e sugerindo que a mulher é inferior. Basta ver que a publicidade usa e abusa do corpo feminino e da sua sexualidade na divulgação de tudo quanto é produto. E muitas mulheres se submetem, muitas vezes inocentemente, a esta exploração sem se dar conta que estão cooperando com a humilhação, não apenas de si mesmas, mas de todo o gênero feminino. E o que dizer, então, das diversas situações degradantes a que as mulheres são submetidas em pleno século XXI?
Paul Tournier, psiquiatra suíço que muito influenciou os cristãos brasileiros, defendeu a idéia de que a mulher tem o sentido de pessoa muito mais apurado que os homens. Naturalmente, elas se inclinam mais para as pessoas, enquanto os homens, em sua maioria, se devotam mais às coisas. Ele compreendia que, se a mulher cumprisse sua missão, a civilização poderia ser curada de sua frieza e da indiferença com que trata os desprotegidos e indefesos. Na percepção dele, a mulher já provou do que é capaz, mas tem se submetido aos critérios masculinos, mesmo nos espaços por ela conquistados. Isto é, mostrou sua capacidade – mas deixou de lado a parte específica da sua identidade e passou a imitar o homem.
O valor da mulher é resgatado com o advento de Cristo. Deus se fez gente e dependeu de um útero para nascer neste mundo e de seios maternos que lhe dessem sustento. Em todo o ministério de Jesus, ele fez questão de aceitar e reconhecer o valor da participação da mulher. Ao longo de sua trajetória neste mundo, o Filho de Deus protagonizou vários episódios ao lado de mulheres. Ele curou uma mulher com hemorragia uterina, doença exclusiva do sexo feminino; ressuscitou uma menina; gastou tempo ensinando Maria de Betânia, que era solteira, mesmo que a lei judaica só permitisse o ensino para os homens; aceitou o presente e os gestos de gratidão da mulher tida por todos como prostituta; não julgou aquela que foi flagrada em adultério, e amorosamente ainda a convidou a uma mudança de vida; e não teve pudores em se revelar como Messias à samaritana do poço, uma mulher discriminada não apenas por sua origem, mas também porque já estava em seu sexto relacionamento conjugal.
Diante do exemplo de Jesus, podemos reconhecer e acreditar no valor intrínseco da mulher pelo que ela tem de singular e único. Pelo potencial específico e inigualável que se expressa através da profissão, das habilidades artísticas, da atividade religiosa, do voluntariado e do envolvimento político – e também pelo seu desempenho no próprio lar, como companheira do homem e como mãe. E, embora a identidade da mulher não dependa exclusivamente do casamento ou da geração de filhos, é claro que a parceria conjugal e a maternidade podem acrescentar e enriquecer suas experiências de vida e contribuir para sua maturidade. Contudo, o valor da mulher pode e deve ser cultivado e desenvolvido independentemente de sua condição, pois ela, como todo ser humano, tem significado em si mesma como ser criado à imagem e semelhança de Deus.
O relato bíblico da Criação mostra que o Senhor delegou ao homem e à mulher a tarefa de cultivar e dominar a terra. Eu acho que, no plano divino, todas as decisões e atitudes humanas devem ser tomadas levando em consideração a ótica masculina e a feminina. Os dois gêneros precisam caminhar juntos – e aprender mutuamente. Os homens precisam considerar e dar espaço para a contribuição da mulher; e ela precisa apenas ser mulher!
Esther Carrenho Casada, avó, teóloga e psicóloga clínica.
Texto publicado no sítio da Revista “Cristianismo Hoje”
Nenhum comentário:
Postar um comentário