O capítulo 5 de Gênesis é um relato sobre a genealogia de Adão, especificamente da linhagem de Sete, o filho concedido após a morte de Abel (Gn. 4:25). O capítulo inteiro possui uma estrutura padrão. Os descendentes de Sete vivem por certo período, geram um filho, relato sucedido por mais anos vividos e por uma linhagem de filhos e filhas. Por fim, encerra-se aquele ciclo com a afirmativa de todos os anos vividos pelo personagem e o seu obituário: “... e morreu”!
A sétima geração setita é marcada por Enoque. Mesmo para um leitor despretensioso e desatento a figura de Enoque salta aos olhos. A leitura retilínea e plana sofre uma curva ascendente quando nos deparamos com os versículos 21 à 24.
A menção de que “Andou Enoque com Deus...” (v.22) acrescida de “... e já não era, porque Deus o tomou para si” (v. 24) chama a atenção para a espiritualidade deste homem. Em Enoque encontramos uma espiritualidade marcada pelo avivamento. Foi na geração de Enos (vv. 9-11) em que “se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn. 4:26), mas em Enoque a comunhão com Deus tornou-se estreita. Andar com Deus é a experiência de tê-lo em perspectiva em cada trilha da vida. É abandonar a superficialidade das águas rasas para, mediante a graça, nos lançarmos às profundezas do mar. A cena que o texto parece sugerir é a de uma caminhada que se prolonga, o diálogo se torna tão atrativo e prazeroso que o tempo histórico perde o significado, e assim, Deus recolhe para si o homem Enoque. A espiritualidade de Enoque é profunda, sincera, transparente e viva. Esta é a espiritualidade que precisamos, que possua um novo relacionamento com o céu, que tenha proximidade com o trono e profundidade de vida.
Entretanto, os mesmos versículos que destacam a espiritualidade de Enoque também enfatizam seu cotidiano. Assim, como os demais, teve ele filhos e filhas, constituiu família e, porque não pensar, que envolveu-se com o trabalho, com a comunidade, com a sua geração...
É preocupante a dicotomia que criamos entre a espiritualidade e o cotidiano. Quando compartimentalizamos a vida corremos o risco de nos alienar ou nos mundanizar. Espiritualidade profunda, somente é saudável, quando faz do cotidiano seu lugar vivencial. E o cotidiano, ainda que nominalmente cristão, somente é santo se vivido com profunda espiritualidade. Assim é a liturgia do culto da vida. Enoque não se alienou vivendo uma espiritualidade de mosteiro, nem se mundanizou vivendo em sua geração.
Por isso, importa que Deus seja adorado em espírito e em verdade (João 4:24). Importa que o serviço religioso cúltico dominical não se torne um compartimento distinto da adoração profunda e santa do culto da vida. Somente assim todos os nossos atos serão feitos em adoração. “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.” (Cl. 3.17).
Rev. Jean Douglas Gonçalves
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