06 janeiro 2011

O que os evangélicos militantes e os novos ateus têm em comum


Por razões óbvias, ateus e evangélicos, muitas vezes se encontram em lados opostos na batalha cultural travada no mundo. A ascensão do “Novo Ateísmo” veio através dos livros campeões de venda de Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Do outro lado, o ressurgimento dos “Evangélicos militantes”, representados nos EUA pelo Tea Party e em todo o mundo por vários outros grupos que misturam religião e política, inflamou as tensões entre os dois grupos.

Mas essa nova geração de ateus e evangélicos podem ter mais em comum do que gostariam de admitir.

Por exemplo, alguns membros do Novo Ateísmo fazem proselitismo de suas crenças com o fervor, em alguns casos até com a mesma fúria, que em nossa cultura são mais frequentemente associadas aos evangélicos. Desde a campanha publicitária internacional feita em ônibus que negavam a crença em Deus, chegando a eventos em universidades onde os alunos eram estimulados a trocar suas Bíblias por revistas pornográficas, alguns ateus não se contentam mais com uma abordagem do tipo “viva e deixe viver” quando se trata de religiosos. Pelo contrário, eles estão ativamente tentando “converter”, ou talvez a melhor palavra seria “desconverter”, as massas.

Em outubro deste ano, Christopher Hitchens declarou a uma multidão na Universidade de Toronto, “Acho que a religião deveria ser tratada com zombaria, ódio e desprezo; e creio que estou certo.” Ele afirmou ainda: “Se eu dissesse a um protestante, um pentecostal ou um muçulmanos, que pelo menos eu respeito a crença deles, eu estaria mentindo”

Claro que nem todos os ateus concordam com essa abordagem “evangelística” de Hitchens.

Paul Kurtz, um ateu mais tradicional, preocupa-se com a retórica de Hitchens, Dawkins e de outros, pois isso poderá fazer o movimento retroceder: “Eu os considero ateus fundamentalistas. Eles são anti-religiosos, mas infelizmente eles são maldosos. Sem dúvida são bons ateus e pessoas muito dedicadas que não acreditam em Deus. Mas quando alguém passa por essa fase agressiva e militante do ateísmo, acaba fazendo mais mal do que bem”, afirma Kurtz.

Eu não consigo deixar de ver a ironia disso. Parece que alguns dos novos ateus estão incorporando as mesmas características que muitas vezes condenaram nos evangélicos: intolerância, dogmatismo, até mesmo a tendência da igreja em gerar divisão. Parece que tudo pode ser transformado em uma religião, até mesmo a anti-religião.

Mas não devemos ter prazer em apontar o cisco no olho dos ateus, enquanto uma trave parece continuar firmemente alojada em nossos próprios olhos.

A crítica mais comum feita aos ateus é que eles estão procurando viver “acima de Deus”, sem se importar com a existência ou os mandamentos de uma divindade. O problema é que os ateus trocaram a visão teísta do universo pela visão humanista. Ou seja, um mundo no qual o propósito da vida e a verdade são definidos apenas pelo indivíduo ou, na melhor das hipóteses, pela sua comunidade. Essa postura arrogante em relação a Deus é a essência do pecado evidenciado em Lúcifer, Adão, os moradores de Babel, e todos os outros que procuram ter algum poder sobre o Criador.

A solução, apontam muitos dos que possuem uma visão evangélica do mundo, é abraçar uma vida humilde, “sob Deus”, que submete-se aos mandamentos divinos.

Esta divisão entre viver “acima de Deus” ou “sob Deus” é o que tem gerado um grande número de conflitos culturais no tocante ao casamento homossexual, aborto, pesquisa com células-tronco, exibição pública de símbolos religiosos, oração nas escolas, e até a decisão de manter o nome de Deus nas notas de dinheiro e na Constituição Federal.

Mas em suas tentativas de fazer o país inteiro obedecer “os mandamentos de Deus”, os evangélicos não tem trocado o Evangelho de Jesus Cristo por um evangelho da moralidade? Nesse processo de imposição, muitos evangélicos serão culpados do mesmo erro que atribuem aos ateus. Ou seja, a busca de uma posição de autoridade acima de Deus!

Deixe-me explicar com alguns exemplos.

Logo após os ataques terroristas de 11 setembro de 2001, um líder evangélico americano fez uma declaração impensada. Ele foi obrigado posteriormente a desculpar-se:

“Eu realmente acredito que os pagãos, os defensores do aborto, as feministas, os gays e as lésbicas estão constantemente tentando fazer com que seu estilo de vida alternativo acabe secularizando a América. Eu aponto o dedo na cara deles e digo: ‘você contribuíram para que isso acontecesse’ “.

Infelizmente, esses tipos de julgamentos não são raros. Outros líderes fizeram comentários semelhantes após o furacão Katrina, em 2005, e também depois do grande terremoto no Haiti no início deste ano. Segundo a lógica desses discursos, presume-se que a maneira de prevenir ataques terroristas e catástrofes naturais é ganharmos a afeição e proteção do Todo-Poderoso através de um comportamento moral, orações diárias, defesa dos valores tradicionais da família e frequencia na igreja.

Esta abordagem de “vida sob Deus” também se aplica a indivíduos. Inúmeros adolescentes evangélicos têm aprendido que devem absterem-se de sexo antes do casamento para que Deus abençoe sua vida sexual após o casamento. Os pais evangélicos defendem que uma educação “bíblica” certamente resultará em filhos obedientes e de bom comportamento moral. Já aconselhei um empresário de minha igreja que estava desesperado. Ele acreditava que se deu generosamente para a obra de Cristo, Deus tinha obrigação de prosperar a sua empresa. Ele deu, mas, aparentemente, Deus não o abençoou.

O problema dessa cosmovisão de “vida sob Deus”, além do fato óbvio de que ela não funciona, é estar baseada no medo e no controle, não no amor. O que leva muitas pessoas a adotar tal abordagem não é amor ao Criador, mas um desejo de controlar a Deus como um meio de sobreviver e de prosperar. Neste universo irreal, Deus se torna apenas um meio para chegar-se a um fim e não um fim em si mesmo. Algumas culturas antigas sacrificavam uma virgem no vulcão. O evangelicalismo conservador contemporâneo, com sua visão de “vida sob Deus”, difere muito pouco dessas tentativas humanas de controlar o divino. Porém, agora através do ritual da moralidade e da manipulação dogmática dos outros.

A grande ironia é que, embora afirmando submissão a Deus, os defensores de uma “vida sob Deus” estão realmente buscando o controle através de sua religiosidade. Ore X, sacrifique y, evite Z, e as bênçãos de Deus estão garantidas. Este foi o erro dos fariseus, que tentaram reduzir Deus a uma fórmula controlável, previsível e até mesmo desprezível. Alguns evangélicos condenam os ateus por exaltarem-se acima de Deus, sem perceber que podem estar perigosamente perto do mesmo pecado, embora ele venha a se revelar de uma maneira mais piedosa.

Não ache que estou chamando todos os evangélicos de hipócritas. Eu sou evangélico, e apesar dos muitos problemas associados com esse termo, não o abandonei como alguns já fizeram. Além disso, há muitos de nós que reconhecem o perigo de trocar a mensagem do Novo Testamento por uma falsa mensagem de moralidade nacional.

Por isso, acredito que tanto os novos ateus (defensores da vida “acima de Deus”) e os evangélicos militantes (defendendo a vida “sob Deus”) possuem uma visão de mundo e valores muito mais parecidos do que qualquer um deles gostaria de admitir. De certa maneira, são como as duas faces da mesma moeda. É preciso estarmos atentos.

[Nota do tradutor: Embora escrito para um contexto norte-americano, a premissa é igualmente válida para alguns movimentos no Brasil]

Skye Jethani é editor-chefe da revista Leadership e autor de The Divine Commodity: Discovering a Faith Beyond Consumer Christianity. [Descobrindo uma fé além do cristianismo consumista].

Texto e foto retirados do site: http://www.pavablog.com/2010/12/31/30324/