29 junho 2006

Oscilações da Alma

Depois da morte de sua esposa, Vance Havner, um conhecido pastor batista, publicou um diário de suas experiências enquanto andou pelo “vale das sombras da morte”. Segundo expressa, a experiência cristã processa-se em três níveis: em primeiro lugar estão os dias de “cimo da montanha” em que tudo vai bem e o mundo parece cheio de sol. Os “dias comuns”, portanto, são aqueles em que fazemos os nossos trabalhos usuais e não nos sentimos exultantes nem deprimidos. Em terceiro lugar vêm os “dias sombrios”, quando nos arrastamos pesadamente através do desânimo, dúvida, desespero e conflito. Estes períodos se estendem às vezes durante dias, meses ou mesmo anos, antes de começarmos a experimentar uma sensação de alívio e vitória.
Há numerosas passagens bíblicas que retrata esta realidade da existência humana. Considere, por exemplo, o Salmo 4.8 em que o rei Davi proclama: “Em paz me deito e logo pego no sono, porque, Senhor, só tu me fazes repousar seguro”. Em outro salmo, logo a seguir, o mesmo Davi confessa: “Estou cansado de tanto gemer; todas as noites faço nadar o meu leito, de minhas lágrimas o alago” (Sl. 6.6).
Não há contradição em Davi. Ele exprime com sinceridade, em ambas as declarações, o seu estado de espírito. O fato, é que o salmista não mascara o sofrimento como grande parte dos evangélicos que, tomado pela consciência de que são intocáveis, inatingíveis e invencíveis, consideram as circunstâncias sofríveis na vida do fiel como falta de fé ou uma vida de pecado. É, porém, irreal pensarmos, como fazem muitos, que podemos passar a vida pulando de um para outro pico da montanha, como se não houvesse planícies ou vales entre eles.
Nem sempre a alegria dura muito tempo. De igual modo, nem sempre o choro perdura. É o próprio Davi quem lembra: “Ao anoitecer, pode vir o choro, mas a alegria vem pela manhã” (Sl. 30.5). Mesmo diante de situações adversas as canções davídicas são incluídas num contexto de esperança, como retrata o salmo 43.5: “Por que está abatida, ó minha alma? Por que te pertubas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu”.
Como homem, Jesus também experimentou tristeza. Logo após o momento aprazível no cenáculo, Jesus segue para o Getsemani onde “começou a entristecer-se e a angustiar-se”, a ponto de exclamar: “A minha alma está profundamente triste até a morte” (Mt 26.36-38). Três dias depois, porém, estrugiu a alegria da ressurreição. Em cumprimento de sua missão messiânica, Jesus esperava pelos “dias sombrios”, e não se surpreendeu diante do sofrimento.
Quando somos suficientemente realistas para contar com as dificuldades que nos sucumbem e bastante informado para saber que Deus está no controle, então tornamo-nos equilibrados em nossa saúde emocional, certos de que situações calamitosas sobrevirão, e poderemos dizer assim como Davi “à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades” (Sl 57.1). Montes e vales são experiências de todos nós. Há dias ensolarados e há dias sombrios. Que o Senhor seja honrado em todos os momentos de nossa vida, seja na alegria ou na tristeza, na esperança ou na angústia, no monte ou no vale.

Sonia Carniato Gonçalves,
é esposa do Rev. Jean Douglas, bacharel em teologia
com especialização em Aconselhamento Cristão.

23 junho 2006

Jesus e as Mulheres

A encarnação de Cristo se dá num contexto histórico extremamente conturbado. Quando Deus se soletra em linguagem humana, o faz numa cultura cheia de particularidades. Entre elas, a situação da mulher era desgraçadamente difícil. Observe o que estudiosos dizem sobre o contexto histórico-cultural, no que tange às mulheres na época de Jesus:
Um homem não deveria entabular conversa alguma com uma mulher na rua, nem mesmo com a sua própria esposa, e, muito menos, com qualquer mulher. Na realidade, os rabinos radicais afirmavam: É preferível queimar a lei do que ensina-la a uma mulher (Strak e Billerbeck in Champlin, 1995).
Alguns rabinos chegavam ao absurdo de afirmarem que as mulheres não possuíam alma. Outros ainda diziam que aqueles que se demorassem conversando com uma mulher por fim herdariam as chamas do inferno. Nas sinagogas, um escravo podia ler as Escrituras; até mesmo uma criança do sexo masculino podia realizá-la desde que fosse capaz, mas jamais as mulheres.
Tais fatos podem ser claramente percebidos em textos bíblicos. Por exemplo, o do Evangelho de João 4 nos mostra Jesus numa conversa com uma mulher samaritana. Percebemos a surpresa da mulher ao ver um mestre judeu se aproximar de uma mulher samaritana e estabelecer um diálogo (v.9). Aqui estava presente o estigma racial, mas também sexista. Adiante os discípulos ao perceberem o que acontecia se admiram de Jesus estar conversando com uma mulher (v. 27).
Entretanto esses paradigmas foram sendo vencidos por Cristo. Jesus jamais se deixou limitar pelas mazelas culturais emburrecidas de seu tempo. Cristo nunca se submeteu aos padrões legais que não priorizassem a vida humana. A quebra destes e outros paradigmas que causavam indignidade e morte foram enfatizadas por Jesus. Porém, quebrar paradigmas não é tão simples e casual. Paradigmas são fronteiras e Cristo enfrentou muitas oposições e embates ao atravessá-las, mas não vacilou ao ultrapassá-las.
Em Cristo percebemos a valorização da mulher. Na vida e obra de Cristo a mulher é valorizada, aceita e acolhida. O Senhor abre as portas da dignidade e permite que as mulheres entrem por ela. Enquanto a sociedade judaica do tempo de Jesus fecha os portões do perdão e da salvação, Cristo abre um caminho: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor. Então lhe disse Jesus: nem eu tão pouco te condeno; vai, e não peques mais (João 8:10-11). E quando é recriminado por uma atitude de acolhimento e perdão, faz da mulher a ilustração de seu ensino ao hipócrita fariseu Simão: E voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta mulher?(...) Perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco se ama (Lc. 7: 44-47).
São as mulheres que se tornam exemplos evangélicos de fidelidade. Quando da prisão, crucificação, morte e ressurreição de Cristo, enquanto todos os discípulos deixam a Jesus e fogem (Mt. 26:56), Judas o traí (vv. 47-48) e Pedro o nega (vv. 69-75), estavam ali muitas mulheres, observando de longe: eram as que vinham seguindo a Jesus desde a Galiléia, para o servir; entre elas estavam Maria Madalena, Maria mãe de Tiago e de José, e a mulher de Zebedeu. (Mt. 27:55-56). E são as mulheres que permanecem diante da sepultura (v. 61) e recebem o anúncio da ressurreição (Mt. 28:5-6) e se tornam suas primeiras testemunhas (vv. 7-10).
Entre outros tantos exemplos vale mencionar que eram as mulheres que prestavam auxílio e suporte financeiro ao ministério de Jesus (Lc. 8:1-3). E que mais direi ainda? Certamente me faltará o tempo (e o espaço) necessário para referir o que há a respeito de outras mulheres que fizeram parte da História da Salvação no Antigo e Novo Testamento. Entretanto certo é que “...a mulher que teme ao Deus Eterno será elogiada...”.

Rev. Jean Douglas Gonçalves

20 junho 2006

Última chamada



Reúnam as autoridades e todos os habitantes do país [...] e clamem ao Senhor (Jl 1.14) Reunião é o encontro de diversas pessoas num mesmo lugar, geralmente com propósitos bem definidos. Por motivos triviais (banquete, evento social, recreação etc.), por motivos profissionais, por motivos religiosos ou por motivos de vida ou morte. Em ocasiões marcantes, de grande perigo em vista ou quando o perigo já chegou, as reuniões precisam ser de caráter extremamente urgente e com a presença do maior número de pessoas possível. No pequeno livro do profeta Joel, duas vezes aparece o verbo reunir no imperativo: “Reúnam as autoridades e todos os habitantes do país no templo do Senhor, o seu Deus, e clamem ao Senhor”. Na outra passagem, os convocados são o povo e todos aqueles cuja presença seria menos exigida em outras ocasiões: os anciãos, as crianças, os recém-nascidos e os recém-casados (Jl 2.16). Esse ajuntamento soleníssimo seria para tentar barrar o juízo do Senhor por meio do arrependimento e da conversão. Quero confessar, chorar e clamar bem alto: “Poupa o teu povo, Senhor!”
Retirado de Refeições Diárias com os Profetas Menores (Editora Ultimato, 2004).

12 junho 2006

Espiritualidade e Cotidiano

O capítulo 5 de Gênesis é um relato sobre a genealogia de Adão, especificamente da linhagem de Sete, o filho concedido após a morte de Abel (Gn. 4:25). O capítulo inteiro possui uma estrutura padrão. Os descendentes de Sete vivem por certo período, geram um filho, relato sucedido por mais anos vividos e por uma linhagem de filhos e filhas. Por fim, encerra-se aquele ciclo com a afirmativa de todos os anos vividos pelo personagem e o seu obituário: “... e morreu”!
A sétima geração setita é marcada por Enoque. Mesmo para um leitor despretensioso e desatento a figura de Enoque salta aos olhos. A leitura retilínea e plana sofre uma curva ascendente quando nos deparamos com os versículos 21 à 24.
A menção de que “Andou Enoque com Deus...” (v.22) acrescida de “... e já não era, porque Deus o tomou para si” (v. 24) chama a atenção para a espiritualidade deste homem. Em Enoque encontramos uma espiritualidade marcada pelo avivamento. Foi na geração de Enos (vv. 9-11) em que “se começou a invocar o nome do Senhor” (Gn. 4:26), mas em Enoque a comunhão com Deus tornou-se estreita. Andar com Deus é a experiência de tê-lo em perspectiva em cada trilha da vida. É abandonar a superficialidade das águas rasas para, mediante a graça, nos lançarmos às profundezas do mar. A cena que o texto parece sugerir é a de uma caminhada que se prolonga, o diálogo se torna tão atrativo e prazeroso que o tempo histórico perde o significado, e assim, Deus recolhe para si o homem Enoque. A espiritualidade de Enoque é profunda, sincera, transparente e viva. Esta é a espiritualidade que precisamos, que possua um novo relacionamento com o céu, que tenha proximidade com o trono e profundidade de vida.
Entretanto, os mesmos versículos que destacam a espiritualidade de Enoque também enfatizam seu cotidiano. Assim, como os demais, teve ele filhos e filhas, constituiu família e, porque não pensar, que envolveu-se com o trabalho, com a comunidade, com a sua geração...
É preocupante a dicotomia que criamos entre a espiritualidade e o cotidiano. Quando compartimentalizamos a vida corremos o risco de nos alienar ou nos mundanizar. Espiritualidade profunda, somente é saudável, quando faz do cotidiano seu lugar vivencial. E o cotidiano, ainda que nominalmente cristão, somente é santo se vivido com profunda espiritualidade. Assim é a liturgia do culto da vida. Enoque não se alienou vivendo uma espiritualidade de mosteiro, nem se mundanizou vivendo em sua geração.
Por isso, importa que Deus seja adorado em espírito e em verdade (João 4:24). Importa que o serviço religioso cúltico dominical não se torne um compartimento distinto da adoração profunda e santa do culto da vida. Somente assim todos os nossos atos serão feitos em adoração. “E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus Pai.” (Cl. 3.17).

Rev. Jean Douglas Gonçalves

10 junho 2006

A Copa do Mundo é Nossa

Há... Nada como uma copa do mundo – são quatro anos que parecem demorar mais do que os 76 anos que o cometa Halley leva em sua órbita para nos visitar. Mas já foi ouvido na sabedoria popular que o “bom da festa é esperar por ela”. O que vemos, quando ela chega, é de encher os olhos... Nossa rotina é drasticamente alterada: é preciso rever cada um de nossos horários de modo que não haja um choque com as partidas disputadas pela seleção brasileira – e mudamos tudo – refeições, encontros, trabalho, visitas, e porque não dizer, mudamos junto com tudo isso.
É interessante perceber o quanto faz parte do ser humano a expectativa de algo que o tire da mesmice – o período da copa nos introduz um sentimento coletivo, como em raros momentos – de que tudo poderá ser diferente se vencermos: estaremos sorrindo mais, andaremos mais felizes pelas ruas, nosso trabalho nos aborrecerá menos, perderemos muitos de nossos medos durante esse período confiados nessa esperança.
A mídia, fiel escuderia da filosofia pós-moderna, desempenha com sucesso o seu papel de fortalecer esse sentimento, ministrando ela mesma a dose cavalar de um tipo de anestésico capaz de mergulhar nosso complicado país em um state of mind incomum. Posso imaginar o papo na redação: - Olha gente... Hoje é dia de jogo! Nada de mensalão, CPI de Bingo, PCC, menino jogado em lagoa e coisas desse gênero! O futebol é o ópio do povo! Vamos dar ao povo o que eles querem – e redigem com elegância seus textos, associando-os às imagens dos lances “mágicos”, que enchem os olhos das pessoas pelas ruas e pelas casas, alimentando o monstro da pseudo-esperança da nossa já dormente sociedade.
Mas e quanto a nós evangélicos? Será que somos (estamos) imunes a esse quadro? Bem, pensando um pouco, percebemos que alguma coisa muda em nosso habitat evangeliquês: A primeira coisa é mudar os horários dos cultos, é lógico, para não chocar com o horário dos jogos – afinal, ninguém espera que alguma viva alma, em sã consciência, invente de querer consolo espiritual e comunhão em um dia de Brasil X Argentina, por exemplo, e se quiser, vá ao horário alternativo - afinal, é impossível mudar o horário do jogo - mas o do culto... E já que a maioria vai optar pelo jogo mesmo. Também não é a melhor das idéias inventarem de fazer visitas ou coisas do gênero... Afinal, competir com a televisão é covardia... Visita mesmo na casa do irmão? Só se for pra assistirmos ao jogo juntos...
Existem duas vertentes que norteiam os evangélicos nessas circunstâncias. Uma ala, a que defende o “Princípio da Sabedoria”, procura se adequar aos fatos – tudo pelas pessoas – é o seu lema. Outra vertente, tida por mais radical, defende o “Princípio da Prioridade”, mantendo seus horários – Deus tem que ser mais importante que um jogo – dizem.
Está evidente que discutir entre estes princípios é perda de tempo. Nem é isso que me preocupa. Acredito que sobre a Igreja, foi estabelecido o status de agência de fomento da verdadeira esperança, uma comunidade de pessoas cujo estilo de vida aponta para uma esperança verdadeira, essa sim, atemporal e infalível. Sabemos que ela, essa esperança, pode proporcionar ao vazio coração a alegria genuína que buscamos desde a eternidade, mediante a paz que repousa na confiança em um Deus que jamais nos abandona. Paz que resiste até mesmo aos nossos olhos e corações abertos, que recebem diariamente essa carga de situações que nos aflige e nos faz permanecer e acreditar, firmemente, que “Aquela” que excede o nosso entendimento desafia até nós mesmos e a nossa sobriedade, frente às intempéries que encontramos pelo caminho.
Afinal, pensando bem, talvez haja poucas ocasiões tão propícias para mostrarmos o quanto a razão da nossa fé é incomparável e sublime. Certamente, ao demonstrarmos que nossa alegria não se desfaz depois de uma derrota ou de uma eventual eliminação precoce da seleção canarinho, poderemos enfim apontar para Aquele que não permite que se consuma a nossa compaixão pelo perdido e aflito – nem mesmo em épocas de Copa.
E assim mesmo, enquanto se retiram todos os adereços de nossas ruas, as bandeirolas deixam os carros e a vida continua, nossa fé nos aponta para o alto, onde Deus fez sua morada, além da rasa órbita do Halley, um infeliz a quem restam apenas mais 300 mil anos de vida.
Ele pode ter começado sua jornada primeiro, mas eu venci, porque certamente viverei bem mais que isso, viverei eternamente em Sua Presença, onde minha comemoração durará para sempre, na vitória obtida na Copa da Cruz, no estádio do Calvário.
Aleluia, a taça é nossa.
Milton Furtado é Ministro de Louvor na Igreja Presbiteriana Independente Central de Brasília e vocalista na banda Supernovavida

09 junho 2006

Tal profeta, tal poeta!

“Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.”
(Fernando Pessoa)

“Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir,
Tu te tornaste forte demais para mim, tu me dominaste.”
(Jeremias, o profeta)

O profeta também é poeta,
Não tem grandes pretensões,
Procura sossego, mas se incomoda com o silêncio!
Não almeja grandes coisas, nem aspira um alto monte,
Sua alma, quieta, apegada à simplicidade,
Canta a canção da humildade,
De quem não buscou, mas alguém o encontrou!

O poeta também é profeta,
Faz da sua voz um anúncio,
Tantas vezes uma denúncia,
Na candura anuncia,
Na bravura, mas com alma de criança,
Denuncia ao que vive abastança,
Que alguém morre por falta de esperança!

E qual poeta não quer ser profeta,
E qual profeta não se arrisca a poeta,
E entre palavras, uma poesia,
Das mesmas palavras, uma profecia!

Mas o poeta tem medo de ser profeta,
E o profeta teme não alcançar o poeta,
Mas quando no íntimo recosta,
E na alma se pergunta,
Encontra uma imbatível resposta:
Ser profeta é ser poeta,
E qual poeta não é profeta.

Entre profecias e poesias,
Mais rica faz a vida,
Mais bela a lida,
Mais santa a batalha,
Mais linda a vista...

E por mais que o profeta tem em si um poeta,
E o poeta um desejo de profeta,
Há profeta e há poeta...
Um é poeta, outro profeta,
Um se anuncia ao se esconder nas palavras,
E o outro se esconde quando anuncia a Palavra,
Tal profeta, tal poeta!

Rev. Jean Douglas Gonçalves

08 junho 2006

Ao Teólogo do Futuro

A princípio, e isto para fins de registro histórico, cumpre-me informar-lhe que tal idéia não é original, nem remonta a esses dias, mas pelo que sei desde que se descobriu cavernas e tinta, se escreve algo que possa ser lido por alguém no futuro, para o quê não sei... e nem vou me debater neste quesito enquanto tenho como escusa legítima minha herança biológica – defenda-se quem primeiro reportou-se ao futuro – se puder.
Em meio a esta era, tão cercada de missivas destinadas ao arqueólogo do futuro, pensei no que seria a frustração dos futuros teólogos em verem tantas cartas endereçadas aos colegas arqueólogos e nenhuma a eles mesmos, se for o caso, cumpriu a mim, historicamente, desfazer tal injustiça.
Sentimento comum a quem impõe o seu legado, corrói-me a imaginação em tentar pensar como é o mundo hoje, no momento em que se abre este invólucro desgastado, e imagino mesmo que talvez haja muito mais teólogos, se de fato o cataclisma que acometeu a esta geração não tenha detido sua fecunda multiplicação.
Sabemos todos, e principalmente na sua avançada era, que o tempo corre solto e em via de mão única, mas até hoje, infelizmente não soubemos obter respostas significativas olhando para o passado, considerando que no presente só o que nos restam são perguntas... ei-las ao futuro – porque o anseio pela verdade não passou pelo portal do tempo e a ele não está sujeito – a esperança de uma resposta se faz premissa maior ao simbologismo matemático de Einstein, em sua definição do espaço-tempo.
Na verdade, temo pela profundidade das minhas indagações, haja vista certa feita ter um de meus filhos me perguntado se todos os neandertais eram crianças, pela simbologia que utilizaram em seus afrescos – mas não obstante, alguns ainda se debruçam sobre seus vestígios buscando trazer-lhes significado – eis a esperança que me alenta.
No intermezzo que há entre nós, dentre as calamidades pelas quais passamos, cataclismos e holocaustos forjados por nossas mãos, julgo haver a humanidade encontrado, enfim, a resposta tardia aos nossos desencantos - não os sociais - pois a esse encargo já se acham atarefados os arqueólogos e sociólogos, e também certamente não seria eu o autor apropriado para descrevê-las todas.
Mas submeto ao seu conhecimento superior a prima indagação que nos acomete - em nossos dias, muito embora tenhamos a mesma fonte, objeto de estudo, e por sobre ela se debrucem, diuturnamente homens e mulheres de todas as cores e raças, rotina que já vi, por vezes, sugar-lhes a sanidade, esquiva-se de nós o fruto de sua conquista, a saber, a verdade que nos faria capazes de nos tornarmos verdadeiramente, um só povo, e uma só verdade.
Sei que pode parecer afronta e uma mesquinharia ao seu conhecimento, mas considere tratar-se de povo extremamente primitivo, de difícil trato, indolente e rebelde - e que o conhecimento de tais características, que a nós mui bem se aplicam, o estimule a prosseguir neste testamento.
Contudo, mesmo em nossa ignorância, sabemos que somos apercebidos em nossos modos, e é de fácil leitura o que somos: na verdade, somos um livro aberto, cujo primeiro capítulo reza pela incoerência entre nosso discurso e nossa prática. A saber, pelo que passa nossa percepção isto nos divide, eis o que nos assombra: O que vestimos nos divide, como falamos nos divide, o que sabemos nos divide, o que não sabemos também, o que ouvimos nos divide, e muito - onde moramos nos divide, o que comemos, nos divide - nos apavora o fato de que o que nos separe sejam as mesmas coisas pelas quais deveríamos estar juntos, e o valor pelo qual somos mensurados passa hoje pelas nossas roupas, nosso status quo, e até mesmo, pasme, pelas músicas que ouvimos.
O custo ao que a ignorância se nos impõe, sujeita-nos às mãos dos lobos e dos falsos pastores - os quais minam todas as nossas riquezas - sejam materiais, espirituais, humanas, enfim - a própria vida.
Terá sido esse o evento perante o qual sucumbiu nossa sociedade? Confesso que em minha tenra idade temia que o fim da civilização se daria pelo choque de um corpo celeste, um asteróide ou um cometa qualquer que estivesse vagando errante pelo universo e encontrasse esse pontinho azul no lugar errado e na hora errada... Bum! Pronto! Acabou-se! Custa-me admitir que nunca, em momento algum, pude crer que veria a lâmpada da nossa história se apagar no desalumiar da nossa fé. Sim, é isso. Fomos corroídos na nossa falta de fé a ponto de não percebermos mais o valor do outro como outro... consegue me entender? Com isso se corroem nossas famílias, nossos filhos e filhas, pais, irmãos e amigos... Só conseguimos traduzir por valor algo que possamos utilizar na satisfação dos nossos desejos.
Todo testamento é desejo e também é uma pergunta...
É provável que você seja um descendente direto de um dos poucos que permaneceram, abrigados e refugiados em lugar seguro, e quem sabe as histórias que você ouviu talvez um dia tenham sido verdade - quando páginas novas forem escritas para servirem de memorial e justiça aos que prevaleceram...
Mas divago...
Esse é o prêmio de quem pergunta pro futuro, a esperança - seja pra quem use papel, seja pra quem use paredes de cavernas. Na verdade faço outra pergunta em direção ao futuro, mas a outro destinatário, e a resposta que recebo é: TENHA FÉ.
Milton Furtado é ministro de louvor da IPI Central de Brasilia, e vocalista da banda Supernovavida.

07 junho 2006

O DESAFIO DE CRESCER...

O DESAFIO DE CRESCER...

"E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça...."

Há um livro interessante que acabou virando filme, chamado "O Tambor", do alemão Günter Grass. É a história de um menino teimoso que se recusava a crescer. Quando queria alguma coisa pegava seu tambor e ficava batendo com um cabo de vassoura sobre ele até que alguém o atendesse. E já com idade adulta tinha a aparência e o corpo de uma criança.

Às vezes penso que é menos penoso continuar sendo o que sempre fomos. Para que arriscar? Para que sair do porto seguro e singrar por rios perigosos e traiçoeiros, que não conhecemos bem? Para que sair do aconchego dos pensamentos que trazem sossego à alma, e aventurar-se por abismos e montes escarpados? O senso comum diz que viver na planície é mais seguro que escalar as altas montanhas.

Há cristãos que gostam de viver nas planícies - as montanhas lhes dão vertigens. Há cristãos que se recusam a sair da segurança encontrada nos limites do terreno em que ele mantém controle, e sair fora dessa área demarcada na alma é inimaginável para ele. É o medo de "perder" a identidade, é o medo do novo, o medo do não conhecido.

Crescer é "abandonar" posições confortáveis, é deixar o que é seguro, é começar a subir em direção ao ar rarefeito dos altos montes. Crescer é recusar a permanecer no conquistado, é romper com o passado, uma ruptura que vai levar a uma descontinuidade da rota até então vivida. Crescer é um desafio porque nos leva a dar um passo quando queríamos ficar parados. Os fariseus foram incapazes de entender o que Jesus dizia e fazia porque se recusaram a dar o segundo passado, a andar a segunda milha...

Todos os seres vivos, animais e vegetais e até mesmo os minerais têm em si o potencial de crescimento. Uma semente de laranja carrega em si a potencialidade de um pé frondoso carregado de frutos. Um pires com água e sal deixado por alguns dias começa a produzir pequenos cristais de sódio. Todas as plantas crescem em direção ao sol. Este processo é chamado de ‘Heliotropismo’. (Fototropismo em que a luz solar é estímulo)

Creio que o cristão traz em si a capacidade de crescimento que o Espírito nos dá. Podemos chamar este processo de ‘Teotropismo’ (Através da comunhão com Cristo, temos comunhão plena com Deus). Se não temos crescido devemos olhar o que tem impedido esse processo. Muito provavelmente desenvolvemos "apegos" à nossa forma de ser. Eles funcionam como laços que nos impedem de dizer adeus à nossa infância, aos nossos quereres, às manhas e manias, à forma fixa de pensar. Não raro vemos adultos carregando sombras não resolvidas do passado que assombram o presente, vemos homens e mulheres incapazes de um relacionamento saudável por conta de resquícios infantis, que tinham sentido lá atrás, mas agora só trazem complicações.

Paulo diz que ele plantou, Apolo regou, mas Deus é quem dá o crescimento. Todo pai quer ver seu filho crescendo. É o processo natural. Mas quando vemos, nas regiões subnutridas de nosso país, pessoas que não crescem devido ao nanismo - doença que causa um baixo desenvolvimento corporal - logo, ficamos imaginando que pode estar havendo no meio evangélico um "nanismo espiritual", provocado por uma alimentação inadequada ou por um desejo próprio, mas oculto da consciência, de permanecer "ad eternum" no mesmo estágio.

É quase uma afronta, diante do Pai, ficar na superfície, viver de modo fútil, brigar por bobagens, contentar-se com a mediocridade, buscar repetir experiências que, no passado, tiveram seu significado, mas hoje não tem mais... Afinal, coisas de crianças em crianças são bonitinhas e aceitáveis; mas em adultos são, no mínimo, ridículas!

Crescer é um grande desafio, mas sem crescer não há como alcançar a estatura que Deus deseja para nós. (Efésios 4. 12-16)

Ézio Martins de Lima, pr

Pastor da IPI Central de Brasília

06 junho 2006

Haverá mau maior que o praticado pelos homens maus? Sim, há!


"Esse homem mau pensa assim: "Deus não se importa; ele fechou os olhos e nunca vê nada!" Salmo 10. 11.

Dias atrás, vimos em São Paulo o poderio do crime organizado. Centenas de pessoas, entre elas policiais e civis, foram mortas. Neste último domingo, o guitarrista de uma banda muito famosa no cenário nacional fôra morto após tentar fugir de uma tentativa de assalto no Rio. Em Brasília, no ano de 2004, um jovem da igreja da qual hoje sou um dos pastores, morreu enquanto esperava sua namorada na porta de sua casa. Estes são alguns dos vários casos de assassinatos que revoltam e intimidam a todos nós Brasileiros. No Brasil todos os dias morrem mais pessoas em situações iguais ou semelhantes a estas, do que em guerras como a do Iraque. E não temos outra reação senão temer por nossas vidas.

Diante deste cenário, deparei-me pela manha com a leitura do Salmo 10. Havia decidido lê-lo em meu período de meditação no livro dos Salmos. Parecia-me que ainda estava nas paginas policial e de política do jornal que acabara de ler. Isto, porque no texto do Salmo 10 pude ver um cenário de corrupção, uso do poder para oprimir o pobre, e a pratica da maldade ao extremo. Vi, ainda, uma oração por justiça. O clamor de um israelita a milhares de anos atrás, mas que poderia ser a mesma suplica de um cidadão brasileiro deste presente século, ajoelhado em seu quarto, orando ao Senhor antes de dormir, clamando ao Senhor para que se despertasse diante de tanto sofrimento, de tanta maldade, de tanta injustiça.

Assim como nos dias vividos pelo salmista, nos vemos rodeados por pessoas más que não se importam com Deus, v. 4; que perseguem os pobres, v. 2, e armam seus esquemas de corrupção confiadas de que nunca serão pegas, v. 7. Por pessoas que são arrogantes, exploradoras, orgulhosas, v. 3, e que, em seus corações, possuem uma única convicção: "Deus não se importa; ele fechou os olhos e nunca vê nada!". Quão terríveis são nossos dias, exclamamos nós, em comum acordo o salmista que afirma serem, seus dias, cheios de aflições, v.1.

E é por termos tanto em comum com o autor do salmo 10, é que devemos olhar para seu cântico e contemplarmos suas palavras diante de tanta maldade, diante do sucesso de quem a pratica, pensando estar livre de qualquer reação de Deus; de que Ele não se importa com todo o sofrimento que têm provocado, v. 11. O Salmista primeiramente questiona a Deus. Pergunta ao Senhor do por quê permitir que os maus acabem tendo razão em pensar que Ele não se importar. O salmista afirma ao Senhor que O sente longe, escondido, v. 1. Ele apresenta então a Deus o que tem acontecido, vv. 2-11, e depois chama Deus para perto dos acontecimentos, dos que sofrem, e pede a Ele que reaja com severidade e justiça, v.12. Ele procura despertar a ira do Senhor lembrando-O de que não é um Deus insensível ao sofrimento e à tristeza do que se vê oprimido pelo homem mau, e de que por isto sempre esteve pronto a ajudar aos que não podem se defender, v. 14. Ele exalta o poder de Deus acima do poder dos homens maus, e pede a este que os anule, e os recrimine, até que não possam mais continuar a fazer o mau, v. 15-16. Ele se volta para Deus na certeza de que somente Este poderia ajudá-lo; de que Ele atentaria para sua oração, e ouviria o seu grito em favor de si mesmo, e dos que sofriam; de que Deus julgaria os maus, de forma que não pudessem mais espalhar o terror sobre a terra, v. 18.

E como esta oração é tão necessária nos dias de hoje. E como temos tido medo, ou seria incapacidade, de não fazê-la. Com raras exceções, e estas se fazem quando somos "a vitima” da violência, nossas bocas têm tido apenas palavras de “é assim mesmo", ou, "eu não me envolvo com isto", "as coisas só irão piorar", entre outras afirmações que, na oração do salmista, não se fizeram presentes. As palavras que revelaram o poder do mau, e o sucesso dos que o praticam, foram utilizadas apenas para despertar a ira e o julgamento de Deus, visando tirá-lO de seu "esconderijo", e não para esconder-se de tudo o que ocorria. Pelo contrário, ao fazer seu cântico, ele se expõe.

Nossa geração, porém, tem se afugentado do mau que assola nossa nação, em vez de encará-lo de frente e dizer: "Deus o destruirá, e junto com este, a todos que o praticam". Como temos sido egoístas em nossas orações, e pedido apenas por nós, por nosso bem estar, pela nossa segunça, por nossa alegria e daqueles a quem amamos, com o pensamento de que o resto cuide de si mesmo, pois não temos com ajudar, nem mesmo através da oração. Como temos sido covardes em nossas pregações, ao não expor o mau como deveríamos. Não temos desnudado os que o praticam como deveríamos, enfrentando-os com toda ousadia, como o fez o salmista. Ele não se esquivou da situação. Não evitou o confronto. Sabia que a situação era por demais difícil, além de suas possibilidades, de seu raio de ação, de seu poder de sua força. Mas tinha a consciência que não estava nem perto das possibilidades, do raio de ação, do poder, da força do Senhor dos Exércitos. Ele podia fazer algo: indignar-se, e, movido por este sentimento, orar a Deus pedindo que aniquilasse o mal. E foi o que fez!

E creio termos uma responsabilidade igual, e quem sabe maior. Pois somos o Corpo de Cristo. Nossas possibilidades, penso, são maiores que as do salmista. Pois, a plenitude daquEle que enche tudo em todas as coisas é sobre nós (Efésios 1.23); o Senhor Jesus tem todo poder sobre a terra, e está conosco (Mateus 28.19-20); a face do Pai é próxima(Filipenses 4.4); o Seu poder é sobre nós (Atos 1.8); o seu amor está posto em nossos corações (Romanos 5.5); sua vontade é conhecida, pois pensamos como Cristo (Romanos 12, I Coríntios 2.16); nossas orações são apresentadas, e amplificadas, pelo gemer do Seu Espírito (Romanos 8.26); sua vida é nossa vida (Colossenses 3.4).

Parece-me, entretanto, que nada disto tem nos movido em direção do opressor para o repreender, e do oprimido para o socorrer, e do Senhor, para o chamar a agir. Se o tem, está restrito a poucos. Mas talvez seja eu. Somente eu. Talvez seja o único que não faça nada em relação a isto, ainda que seja orar. Talvez seja somente eu aquele que não consegue olhar para os que sofrem e deles se compadecer. Talvez seja eu. Mas se o for, não o quero mais ser. E meus olhos não desejo mais fechar. Clamo neste momento ao Senhor para que olhes para o mau que se alastra de forma desgovernada, adentrando as portas dos nossos lares. Para que veja, para que sinta com os que sofrem, e se volte contra os que amam e praticam o mau, e dê cabo de todas as suas ações. Que tenha misericórdia de quem queira ter, mas que não permita que o mau triunfe mais.

Eu, portanto, nego a mim mesmo, e torno-me parte dos que sofrem com o mau, e peço: "Vem Senhor, e castiga esta gente má [...] acaba com o poder dos maus e dos perversos [...] para que os seres humanos, que são mortais, nunca mais espalhem o terror!" Salmo 10 vv. 12,15 e 18.Evitemos o mau maior que o já executado pelos homens perversos. Não sejamos omissos. Não sejamos insensíveis ao sofrimento alheio, e não nos furtemos da possibilidade de fazer a diferença em nossa geração. Somos a luz do mundo, e o sal da terra, lembram-se (Mateus 5.13)?

Como bem lembrou-me minha amiga e irmã em Cristo Jesus, Lidiane Rocha, Martin Luther King, que lutou contra o mau de seu tempo, tem algo a nos dizer nesta direção: "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons." E acrescento a estas palavras, outras ditas por Júlio Paulo Zapatiero, em seu artigo intitulado A corrupção do poder político e o Deus que ouve o clamor, publicado no site Teologia Brasileira, no dia 24 de junho de 2005:

"...São indispensáveis as ações do povo de Deus na denúncia dos crimes e pecados no exercício do poder político. Mas elas devem ser acompanhadas constantemente do anúncio da absoluta prioridade do bem maior como razão de ser das instituições estatais. Denunciar e anunciar, com perseverança incansável, são ações políticas que o povo de Deus pode realizar sem ser delimitado por opções partidárias [...] Se Deus é o Deus que ouve o clamor (Êxodo 2.24; 3.7-9; etc.), o seu povo também deve limpar seus ouvidos para ouvir o clamor das pessoas que gemem, sufocadas pelos dejetos da corrupção que corrói o bem e a justiça." http://www.teologiabrasileira.com.br/Materia.asp?MateriaID=155 .

Diante de tudo que vi, e falei, minha oração neste dia é: "Senhor Jesus eu lhe peço: Tu que está assentado no trono, e cujo nome está acima de todo nome que há na terra, ajuda-nos a sofrer com os que sofrem, a chorar com os que choram, para que possamos depois sorrir com os que alegres estão. Apregoa o Teu ano aceitável entre os pobres, e anuncia aos que estão presos, sua liberdade. Restitui a vista aos que estão cego, e não somente aos acometidos de cegueira física, mas também espiritual, e liberta os oprimidos, pois, seu tempo chegou, e seu povo será salvo! A nós, seu povo, eu peço, usa-nos em tudo isto que há de fazer, para nossa alegria, e para o louvor, honra, e glorificação de Seu Santo nome, amém!"

No amor em Cristo Jesus, Cleber B. Gouveia, pr.
Capelão do CEDECAP, e Pastor Auxiliar da Primeira IPI do DF

05 junho 2006

Confissão

Minhas mãos são desajeitadas,
Parecem-me grandes, às vezes pequenas,
Parecem-me fortes, às vezes fracas,
Parecem-me firmes, mas são trêmulas.
Minhas mãos são desajeitadas,
Para tocar um cristal sem quebra-lo,

É um sentimento de inadequação,
Uma sensação estranha de inaptidão,
Como se pisasse solo sagrado,
Com pés calçados,
Ou um espinheiro,
Com pés descalços,

Aqui está a raridade, a beleza,
A santidade, a verdade,
Revelando minha trivialidade, banalidade,
E quase insanidade de pensar em adequa-lo!
Como adequar tamanha grandeza?
Se minhas palavras são pequenas, confusas, incertas,
Finitas, irreverentes...

Que tarefa inglória,
Sinto o grito profético:
Ai de mim, estou perdido... e os meus olhos viram o Rei!
Entendo o clamor apostólico:
Miserável, homem que sou!

Parcialidade, incapacidade e nulidade são as únicas siglas
Que me ocorrem,
Sinto arder meu peito,
Sinto tremer meus lábios,
Sinto até tentar,
Mas desistir
Mas o que de fato sinto?
Sinto muito...

Sinto querer e não poder,
Querer e não dever,
Sinto tentar, mas fracassar,
Afinal, amor é sagrado, para ser profanado,
Por mim, pecador!

Rev. Jean Douglas Gonçalves

02 junho 2006

A Crise da Transmissão da Fé

A Crise da Transmissão da Fé


A transmissão da fé em nossa cultura secularizada requer de nós novos cuidados e preocupações que nossos pais não tiveram
Uma preocupação que vem crescendo e provocando muitas conversas tanto dentro da Igreja Católica como na Evangélica é o da transmissão da fé para as futuras gerações. Na Europa, alguns estudiosos já demonstraram isso em trabalhos como o do espanhol Juan Martin Velasco, que escreveu La transmissión de la fé en la sociedad e do bispo alemão J. J. Degenhardt, com seu livro Crisis of the transmission of the faith, em que ambos apontam um fenômeno, não só europeu, mas ocidental, envolvendo principalmente as igrejas cristãs.
Existem várias causas para isso, mas a secularização da sociedade ocidental é apontada por todos como a causa primeira desta crise. Olhando para o Brasil, vemos uma Igreja que ainda cresce numericamente, mas que tem perdido sua relevância cultural, social, política e econômica. E vem perdendo também suas raízes históricas e teológicas. Uma Igreja que oferece uma infinidade de programas, atividades e várias formas de entretenimento religioso, mas que tem perdido a capacidade de criar, principalmente nas novas gerações, um grau de compromisso e fidelidade para com a verdade bíblica. O que os membros fazem no domingo tem pouca ou nenhuma relação com o que fazem nos outros seis dias da semana. Nossas tradições foram descartadas, nossos valores relativizados e nossas convicções se transformaram em discretas e frágeis impressões religiosas. Vemos também, inclusive dentro da Igreja cristã, a intensificação do individualismo como resposta à secularização e o crescente movimento da moderna psicologia, que valoriza o “indivíduo autônomo” em sua busca pela auto-realização.
Diante de um cenário assim, ao olhar para o futuro do cristianismo, somos tomados por um sentimento de apreensão e perplexidade. Por um lado, sabemos que a Igreja é de Cristo e é ele quem a sustenta e guarda – no entanto, a história da Igreja é dinâmica e, em muitas nações e até continentes onde ela já foi viva e forte, hoje não é mais. Portanto, temos que refletir sobre nosso papel nesse processo e como será o processo de transmissão da fé para as novas gerações.
A transmissão da fé em nossa cultura secularizada requer de nós novos cuidados e preocupações que nossos pais não tiveram. No passado, com a centralidade da religião e da família na cultura ocidental, o processo era natural. Hoje, nenhuma das duas ocupam mais este lugar. Antigamente, os valores e convicções cristãs eram claramente definidos e aceitos socialmente. Eram eles que estabeleciam uma fronteira clara entre o que era certo e errado ou entre o que era pecado e o que não era. A identidade do cristão era socialmente bem definida, o que lhe dava também uma certa segurança e responsabilidade. Agora, não – falta essa identidade clara e os valores e convicções evaporaram. A grande pergunta que se coloca diante de nós é: como iremos transmitir para nossos filhos e netos os valores e princípios da fé cristã?
A nova preocupação com a “espiritualidade” pode ser uma resposta à crise da transmissão da fé. Muitos têm confundido espiritualidade com uma forma de intimismo religioso que surge como resposta ao individualismo secularizado, intensificando a alienação e não promovendo um relacionamento real e verdadeiro com o Deus triúno da graça. Para ser relevante, a espiritualidade precisa oferecer uma resposta à crise da transmissão da fé, fundamentando-se na revelação bíblica de Deus como uma Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo).
Uma espiritualidade fundamentada na Trindade nos conduz a um relacionamento pessoal com Deus-Pai que não é fruto de uma compreensão particular e intimista, mas da revelação que Jesus, o Filho unigênito nos apresenta. Conhecer a Deus Pai não é o resultado das projeções das nossas melhores intenções paternas, mas o resultado exclusivo da relação única que o Filho eterno tem na comunhão com o Pai. Somente Cristo é quem nos revela a natureza paterna de Deus. Conhecer a Cristo é conhecer aquele que nos foi enviado pelo Pai e que realizou por nós, na cruz do Calvário, a gloriosa obra da reconciliação através da justificação e do perdão dos nossos pecados. Compreender o que Jesus fez na cruz e responder ao Pai em comunhão, obediência e adoração só nos é possível pelo poder do Espírito Santo, que abre nossos olhos, levando-nos a compreender nosso pecado e a necessidade de redenção. E que também nos abre para Deus por meio de Cristo e para a comunhão com os santos.
O caminho para enfrentar a crise da transmissão da fé passa por uma espiritualidade centrada na Trindade e nas Sagradas Escrituras. Somente a partir de um relacionamento pessoal com o Deus trino da graça é que poderemos recuperar o valor daquilo que é verdadeiro e resistir à subjetividade da cultura secular. Compreender a realidade a partir da revelação de Deus em Cristo, e não através da psicologia e sociologia modernas, nos libertará da percepção reducionista da cultura secular e nos conduzirá a uma compreensão profunda e realista da natureza humana, da nossa condição social, dos propósitos da criação e da comunhão com o Senhor e com o próximo.
Olhar para a realidade a partir da auto-revelação de Deus em Cristo nos conduzirá a uma nova dinâmica de vida e fé onde todos os eventos, encontros, experiências, desejos, ações e paixões serão holisticamente absorvidos em Cristo. É isso que nos tornará mais verdadeiros e nos conduzirá à vida abundante prometida pelo Senhor. O legado que precisamos deixar para as novas gerações envolve um caminho de fé que nos conduza a uma completa rendição e entrega, da mesma forma como o Filho de Deus se entregou por nós em amor e obediência ao Pai. Somente através de uma conversão real e dinâmica é que as novas gerações irão reconhecer o valor pessoal, histórico e social da fé cristã e responderão a ela numa vida de obediência, amor, comunhão e serviço.

Ricardo Barbosa de Souza é conferencista e pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasilia

01 junho 2006

Haverá amor maior que o de uma Mãe? Sim, há!

Bem, depois de alguns dias longe, voltamos. Estivemos participando de um congresso de pastores, em Cocalzinho, Goiás. O Congresso fora organizado pela Missão Vida (www.mvida.org.br/), que merece sua atenção e sua oferta. Entre no link e veja com seus próprios olhos. Eu vi mendigos restaurados pelo poder e amor de Deus, e a partir do que vi, gostaria de compartilhar com vocês algo que está na Palavra de Deus em Isaías 49.15:

"Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama...? Eu, todavia, não me esquecerei de ti”.

Haverá amor maior que de mãe? Creio que todos nós concordamos que não. Mesmo sendo homem, e com muita fé, um futuro pai, tenho que reconhecer não haver amor como o de mãe. Se duvidares, bastará que olhes um pouco para os lares brasileiros. Nos em que não há pai e mãe, são poucos aqueles os quais os pais moram sozinhos com os filhos e deles cuidam. A grande maioria é de mães abandonadas, ou na gestação, ou após o nascimento, ou durante o relacionamento, de forma covarde. Contudo, elas estão ali, ao lado dos filhos, lutando contra tudo e contra todos, em favor dos mesmos. São mães que se desdobram para também serem pais, e não se cansam da difícil tarefa de continuar a prover a vida para seus filhos. Isto é amor de mãe!
Entretanto, até mesmo uma mãe poderá abandonar seu filho. Aliás, poderá até mesmo abandoná-lo torcendo pela sua morte. Não fora isto que ocorrera a poucos meses em Belo Horizonte. Uma mãe que, entendendo não ter condições de cuidar do filho (será?), o colocou em um saco, deixando-o à mercê da própria sorte em uma lagoa? E após este, houve outros casos, e creio que infelizmente não serão os últimos.
O texto de Isaías, contudo, nos afirma: "Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama...? Eu, todavia, não me esquecerei de ti."
Uma mãe poderá esquecer seu filho; poderá rejeitá-lo, e até mesmo querer se livrar do filho que ainda nela mama. Mas o Senhor não. O Seu amor é maior. Ele é capaz de ter um amor maior que o de mãe!
Digo isto com muita propriedade, pois conheço pessoalmente outros casos em que uma mãe deixou de amar seu filho. E isto ocorrera com mães que se dispuseram a ir até o fim, e foram ao extremo para ajudar o filho viciado nas drogas, no álcool, a serem livres, mas que não suportaram tanta dor, tanto sofrimento, e viram-se incapazes de continuar amando. Um filho poderá apagar, ou mesmo destruir, o amor de sua mãe. Mas, não há nada que façamos, ou deixemos de fazer, que irá diminuir ou aumentar o amor de Deus por nós. Ele nos amou quando éramos pecador (Romanos 8). Seu amor é incondicional. Jesus morreu na Cruz por pessoas que O desprezaram. Ele poderia ter desistido. Mas não o fez. Há amor maior que este? Não acredito, e afirmo com convicção: não há! Ainda mais quando vemos que Ele fora desprezado, maltratado, e nada guardou em seu coração. Aliás, deste coração, veio aquilo que é mais forte no amor: sua capacidade de perdoar (Lc 23.34).
Você poderá ver casos na Bíblia os quais o levaria a irar-se contra a personagem bíblica, e dizer que, se fosse Deus, o destruiria. Deus, porém, os amou e os restaurou. Veja isto com os seus próprios olhos através da História de Manassés (II Crônicas 33). Ele é um exemplo claro. Seus pais se envergonhariam, e quem sabe o rejeitariam por causa de suas atitudes. Mas o Senhor não desistiu dele, e o buscou, o restaurou. A história do filho pródigo também representa bem este amor de Deus. O filho que rejeita o amor do seu pai. Rejeita o próprio pai quando pede a herança pra viver como desejar, e isto longe de seu lar. Contudo, quando este volta para a casa do pai sem nada, apenas com o pedido de que fosse aceito como servo, pôde provar do amor incondicional (Lucas 15), o mesmo amor com o qual o Senhor nos ama, e não O deixa se esquecer de nós.
Portanto, uma mãe pode deixar de amar e assim abandonar seu filho a própria sorte. O Senhor não!
Esta é a nossa esperança! Esta é a nossa alegria! Esta é a nossa vitória! E graças damos a Ti Senhor, que não se esquece de nós nunca! Por isto O adoramos, O louvamos, o amamos. Em Cristo Jesus, amém!

No amor em Cristo Jesus, Cleber B. Gouveia, pr.
Pastor Auxiliar da 1a. IPI do DF, e Capelão do Centro Educacional Evangélico Eduardo Carlos Pereira em Taguatinga DF.