08 junho 2006

Ao Teólogo do Futuro

A princípio, e isto para fins de registro histórico, cumpre-me informar-lhe que tal idéia não é original, nem remonta a esses dias, mas pelo que sei desde que se descobriu cavernas e tinta, se escreve algo que possa ser lido por alguém no futuro, para o quê não sei... e nem vou me debater neste quesito enquanto tenho como escusa legítima minha herança biológica – defenda-se quem primeiro reportou-se ao futuro – se puder.
Em meio a esta era, tão cercada de missivas destinadas ao arqueólogo do futuro, pensei no que seria a frustração dos futuros teólogos em verem tantas cartas endereçadas aos colegas arqueólogos e nenhuma a eles mesmos, se for o caso, cumpriu a mim, historicamente, desfazer tal injustiça.
Sentimento comum a quem impõe o seu legado, corrói-me a imaginação em tentar pensar como é o mundo hoje, no momento em que se abre este invólucro desgastado, e imagino mesmo que talvez haja muito mais teólogos, se de fato o cataclisma que acometeu a esta geração não tenha detido sua fecunda multiplicação.
Sabemos todos, e principalmente na sua avançada era, que o tempo corre solto e em via de mão única, mas até hoje, infelizmente não soubemos obter respostas significativas olhando para o passado, considerando que no presente só o que nos restam são perguntas... ei-las ao futuro – porque o anseio pela verdade não passou pelo portal do tempo e a ele não está sujeito – a esperança de uma resposta se faz premissa maior ao simbologismo matemático de Einstein, em sua definição do espaço-tempo.
Na verdade, temo pela profundidade das minhas indagações, haja vista certa feita ter um de meus filhos me perguntado se todos os neandertais eram crianças, pela simbologia que utilizaram em seus afrescos – mas não obstante, alguns ainda se debruçam sobre seus vestígios buscando trazer-lhes significado – eis a esperança que me alenta.
No intermezzo que há entre nós, dentre as calamidades pelas quais passamos, cataclismos e holocaustos forjados por nossas mãos, julgo haver a humanidade encontrado, enfim, a resposta tardia aos nossos desencantos - não os sociais - pois a esse encargo já se acham atarefados os arqueólogos e sociólogos, e também certamente não seria eu o autor apropriado para descrevê-las todas.
Mas submeto ao seu conhecimento superior a prima indagação que nos acomete - em nossos dias, muito embora tenhamos a mesma fonte, objeto de estudo, e por sobre ela se debrucem, diuturnamente homens e mulheres de todas as cores e raças, rotina que já vi, por vezes, sugar-lhes a sanidade, esquiva-se de nós o fruto de sua conquista, a saber, a verdade que nos faria capazes de nos tornarmos verdadeiramente, um só povo, e uma só verdade.
Sei que pode parecer afronta e uma mesquinharia ao seu conhecimento, mas considere tratar-se de povo extremamente primitivo, de difícil trato, indolente e rebelde - e que o conhecimento de tais características, que a nós mui bem se aplicam, o estimule a prosseguir neste testamento.
Contudo, mesmo em nossa ignorância, sabemos que somos apercebidos em nossos modos, e é de fácil leitura o que somos: na verdade, somos um livro aberto, cujo primeiro capítulo reza pela incoerência entre nosso discurso e nossa prática. A saber, pelo que passa nossa percepção isto nos divide, eis o que nos assombra: O que vestimos nos divide, como falamos nos divide, o que sabemos nos divide, o que não sabemos também, o que ouvimos nos divide, e muito - onde moramos nos divide, o que comemos, nos divide - nos apavora o fato de que o que nos separe sejam as mesmas coisas pelas quais deveríamos estar juntos, e o valor pelo qual somos mensurados passa hoje pelas nossas roupas, nosso status quo, e até mesmo, pasme, pelas músicas que ouvimos.
O custo ao que a ignorância se nos impõe, sujeita-nos às mãos dos lobos e dos falsos pastores - os quais minam todas as nossas riquezas - sejam materiais, espirituais, humanas, enfim - a própria vida.
Terá sido esse o evento perante o qual sucumbiu nossa sociedade? Confesso que em minha tenra idade temia que o fim da civilização se daria pelo choque de um corpo celeste, um asteróide ou um cometa qualquer que estivesse vagando errante pelo universo e encontrasse esse pontinho azul no lugar errado e na hora errada... Bum! Pronto! Acabou-se! Custa-me admitir que nunca, em momento algum, pude crer que veria a lâmpada da nossa história se apagar no desalumiar da nossa fé. Sim, é isso. Fomos corroídos na nossa falta de fé a ponto de não percebermos mais o valor do outro como outro... consegue me entender? Com isso se corroem nossas famílias, nossos filhos e filhas, pais, irmãos e amigos... Só conseguimos traduzir por valor algo que possamos utilizar na satisfação dos nossos desejos.
Todo testamento é desejo e também é uma pergunta...
É provável que você seja um descendente direto de um dos poucos que permaneceram, abrigados e refugiados em lugar seguro, e quem sabe as histórias que você ouviu talvez um dia tenham sido verdade - quando páginas novas forem escritas para servirem de memorial e justiça aos que prevaleceram...
Mas divago...
Esse é o prêmio de quem pergunta pro futuro, a esperança - seja pra quem use papel, seja pra quem use paredes de cavernas. Na verdade faço outra pergunta em direção ao futuro, mas a outro destinatário, e a resposta que recebo é: TENHA FÉ.
Milton Furtado é ministro de louvor da IPI Central de Brasilia, e vocalista da banda Supernovavida.

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